O LAVRADOR-MARCOS TOLEDO
O LAVRADOR
Até completar dez anos, morei no interior e não tinha ainda frequentado escola alguma; mal sabia falar com as pessoas. Meus pais sempre moraram no interior; minha mãe ainda aprendeu algumas letras, mas não conseguia formar palavras e meu pai, coitado, jamais soube o que era um livro, sempre trabalhou na roça como lavrador. Mas éramos felizes assim, pois vivíamos do que plantávamos, e quando íamos à cidade para vender o fruto do nosso trabalho na venda, ali mesmo comprávamos o que queríamos e voltávamos para o nosso sítio, ficando enfurnado por vários dias... íamos à cidade apenas uma vez por semana.
Quando completei onze anos, meus tios me levaram para morar com eles em outro estado e numa grande cidade. Colocaram-me em uma escola para primeiro ser alfabetizado e, nesse colégio, havia várias turmas. Como eu era um menino grande estudando numa sala de alunos menores, sempre fui motivo de chacotas, mas não ligava e procurava me dedicar ao máximo para aprender logo. Já no ano seguinte, eu sabia ler, escrever e fazer contas, graças à minha tia que tinha um carinho enorme por mim e passava o dia me ensinando. Na escola, havia uma menina linda que sempre passava por mim, mas nunca me olhava, enquanto eu, sim, olhava-a e meu coração batia forte.
Quando estava na quarta série e com quinze anos, já sabendo um monte de coisas, tomei coragem e fui até a menina, no pátio, quando vi que seus amigos haviam saído de perto dela. Aproximei-me e, num respiro só, falei que gostava dela. Só que ela, num suspiro só, disse-me para eu me enxergar, que eu era muito pouco para ela, que ela não queria sequer a minha amizade. Por fim, mandou-me manter distância dela.
Saí dali cabisbaixo, sem ação ou reação... Pensei, na hora, que talvez tivesse sido a forma com que a abordei ou talvez o que tenha falado, mas, depois, vi que não era nem uma coisa nem outra... O problema era que eu era ignorante, não sabia quase nada, perto daquele pessoal que já estava prestes a fazer vestibular e ir para uma faculdade.
Ao chegar em casa, contei o ocorrido para meus tios que, sensibilizados, disseram que eu ainda seria alguém importante e que muitas meninas ainda iriam querer me namorar. Desse dia em diante, comecei a estudar mais do que tudo nessa vida, e minha tia exigia cada vez mais de mim. A cada matéria nova que aprendia, lá vinha ela, com coisas novas sobre o assunto – minha tia era uma pessoa inteligentíssima e me amava de paixão.
Formei-me em Ciências Contábeis, montei uma empresa, cursei Administração de Empresas e depois Direito. Com três cursos superiores e falando duas línguas, achei que não precisava mais cursar faculdades e comecei a aproveitar o que estava ganhando, viajando pelo mundo com meus pais que estavam aposentados.
Certa vez, fui a um congresso e hospedei-me num hotel maravilhoso, de frente para o mar. Depois que fiz minha palestra, voltei para o quarto, pedi à recepcionista a janta e sentei na varanda, pensando na vida que tivera e na que tinha no momento, e apreciando a paisagem.
O jantar chegou e tive uma surpresa enorme; meu coração disparou como nunca – aquela mulher era alguém conhecido e forcei a memória tentando lembrar quem era. Não demorou muito, lembrei que era a mesma menina que me esnobara quando eu ainda era um menino na escola. Puxei conversa com ela e descobri que a vida não tinha sido muito boa para ela, após perder seus pais em um acidente de automóvel. Tivera que sair da escola e parar de estudar, para ir trabalhar na casa de uma tia megera. Após dois casamentos frustrados com homens pobres que batiam nela, resolvera ficar só, com seu único filho, e estava ali, trabalhando como garçonete do hotel.
Meu coração de menino amargurado deu lugar ao coração amoroso que antes lhe pedira para namorar. Fiquei comovido com a história dela; ofereci-lhe um emprego melhor em uma das minhas empresas, com a promessa de que ela iria voltar aos estudos.
Logo em seguida, ela se foi, agradecida, com meu cartão de apresentação. Liguei para a minha esposa, dizendo que a amava muito e que, no dia seguinte, estaria ao seu lado. Jantei e fui dormir.
Amém
Marcos Toledo
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