segunda-feira, 6 de junho de 2011

NOS TRILHOS-MARCOS TOLEDO

NOS TRILHOS

Essa história, caro leitor, é bem cabeluda mesmo, chamo sua atenção para somente ler se gostar de história de suspense. Caso contrário, vá ler um jornal.
Tudo começou assim: logo que comecei a trabalhar na empresa, para exercer a atividade de maquinista, meus colegas vieram até mim, para dizer que em certo ponto da ferrovia existia um fantasma, que era para ter muito cuidado ao passar por ali; caso visse alguma coisa diferente, era para não prestar atenção no que via e, sim, nos trilhos, caso contrário, aconteceria um acidente.
Não dei muita atenção a eles, pois achava que se tratava de um “trote”, coisas que faziam a quem começava a trabalhar ali.
Passados alguns meses, as coisas iam exatamente como eu queria, um ambiente ótimo, um horário ótimo, até que, por motivo de aposentaria de um colega, fui designado a trabalhar no horário dele, até que contratasse um outro maquinista para substituí-lo.
Como sabia que era por pouco tempo, e mesmo que não fosse, nunca reclamei do meu trabalho, sempre agradeci a Deus por estar trabalhando, e não seria o horário que me faria ficar chateado.
O horário que me dispuseram era de 13h às 20h. Estava achando ótimo aquele horário, pois saía de casa já almoçado e, ainda, jantava em casa, fazendo com que economizasse nas refeições.
Certa vez, estava levando a composição para o ponto final, pois terminara meu expediente, e, passando por um trecho da ferrovia, vi ao longe, alguém sentado no trilho. Como a composição ainda não tinha pegado velocidade, comecei a buzinar, para que a pessoa saísse dos trilhos ou se afastasse e evitaria, assim, um acidente.
É, amigo leitor, pelo que vejo você não desistiu da leitura, volto a avisar que o que vem por ai é forte!
Como essa pessoa não saía, comecei a frear a composição, logo que consegui fazê-la parar, continuei a buzinar, mas a pessoa não se movia dos trilhos, resolvi comunicar à central, via rádio, que estava parado e iria ver o que se passava, evitando, assim, que outra composição viesse naquela direção.
Desci rapidamente, perguntando o porquê dela não sair dos trilhos. Ela vira-se, ainda com o rosto molhado de lágrimas, foi quando vi que era uma linda jovem. Voltei a perguntar, porque ela não saíra dos trilhos, ao ouvir a buzina do trem.
Ela diz que não podia sair dali.
Peguei em sua mão, levantei-a, puxei um lenço, comecei a enxugar seu rosto, e, perguntei o porquê dela não poder sair dali.
Ao invés dela responder, ela pergunta o que isso me interessava, se ninguém nunca parou para perguntar isso a ela.
Respondi para ela, que não podia deixar de parar e saber o porquê dela estar ali, e, não sair ao ver o trem chegar próximo. Fiquei preocupado por achar que ela queria se suicidar.
Ela sorriu e disse que isso já acontecera, que ela já estava morta.
Sorri para ela, dizendo que a vida não se acaba assim, que tem coisas que pensamos não ter soluções, mas que Deus tem um propósito para nós e devemos aguardar com paciência o tempo Dele, pois tudo tem uma solução - tentando descobri o porquê dela querer se suicidar.
Ela voltou a olhar para mim e disse:” O senhor é tão bom, que não está vendo que já estou morta”.
Sorri, falando que tudo nessa vida tinha solução e que talvez pudesse ajudá-la em alguma coisa.
Ela, então, disse: “Pode sim, mande rezar uma missa em minha intenção, naquela igreja ali”. Falou isso, apontando para uma igreja que aparecia ao longe.
Enquanto virara para olhar a igreja, ela sumiu
Procurei por ela ao redor e nada, não havia por onde ela ter saído dos trilhos, pois não havia passagem alguma por perto.
Depois de procurá-la um pouco mais e não a ter encontrando, talvez fosse por causa da noite, entrei na composição, olhando ainda em volta, por causa da altura, mas nada.
Fui para o ponto final, comunicando o ocorrido ao supervisor que me aguardava preocupado. Ele ainda disse que deveria ser o fantasma que aparece naquele trecho.
No dia seguinte, logo que acordei fui à igreja e pedi que rezassem uma missa na intenção daquela jovem, que eu não sabia o nome e fiquei ali participando da missa.

Enquanto estava, ali, rezando na intenção daquela jovem, meu coração se encheu de graça, me sentia tão bem, que parecia estar dentro de uma sala com ar condicionado.
Num certo momento, quando estava ajoelhado, rezando, senti alguém me tocar, olhei para o lado e a vi, ali, ajoelhada também. Sorri para ela e ela sorriu para mim, voltamos a nos concentrar na missa e logo que volto a me sentar não a vejo de novo.
Saí dali leve, por ter ajudado alguém, que precisava de uma missa e de orações.
Quando chego ao trabalho, meus amigos comentam comigo que eu tinha visto o fantasma de uma jovem e tinha parado. Respondi que sim; tinha parado para conversar com uma jovem que estava nos trilhos, e, não de um fantasma.
Eles riem e dizem que jamais alguém parou ao ver aquele fantasma, e, sempre aceleravam mais a composição para sair logo dali. Quando chegavam perto de atropelar a jovem, ela desaparecia como por encanto.
Passados dois anos, fui chamado para ir ao escritório da empresa para uma reunião. Enquanto esperava no saguão, comecei a ler os quadros fixados nas paredes, entre muitos, havia uns que falavam de acidentes de trem, entre eles, havia um que falava de uma jovem que se jogou ou fora jogada nos trilhos e o maquinista não parou, vindo a passar por cima dela e matando-a. Para minha surpresa, havia a foto da jovem ao lado da reportagem e era nada mais nada menos, que aquela jovem.
Fiquei ali parado lendo e vendo a foto, como que não acreditando no que estava vendo, mas resolvi não comentar nada com ninguém, pois, com certeza, ninguém acreditaria mesmo.
Caro leitor, você acha que acabou por aí, muito pelo contrário, o que ocorreu após isso foi surpreendente e inacreditável. Pretende continuar a leitura ou já está satisfeito? Vai continuar? Então, leia.
Após alguns anos trabalhando, nunca mais ouvi ninguém falar sobre o tal fantasma, que aparecia naquele trecho da ferrovia, até que vinha caminhando com a composição completamente lotada na hora do “rush” e comecei a passar mal, um mal-estar que me deixava meio que desacordado e o trem começou a ganhar velocidade.
Ouvia o rádio falar comigo que deveria diminuir a velocidade do trem, mas eu não conseguia me mexer, ali, sentado sem ação. Com muito esforço, consegui pegar o rádio e falar que estava passando mal e não conseguia fazer o trem parar. O meu supervisor ficou desesperado do outro lado, dizendo para que eu reagisse, porque o trem estava lotado e seria um acidente terrível, mas eu não conseguia reagir, parecia que estava paralisado.
Foi quando, de repente, ouço uma voz do meu lado falando, achei que ainda fosse o rádio, mas não, era aquela jovem, que um dia eu parei para ajudá-la nos trilhos e que estava na foto, no saguão do escritório da empresa.
Comecei a ficar nervoso e com medo do poderia acontecer, mas ela sorria lindamente para mim e dizia para que eu ficasse calmo, que eu iria ficar bem - talvez pudesse ajudar – e, assim o fez, conseguiu fazer o trem parar e salvar a todos que ali estavam.
É, caro leitor, acho que você gostou mesmo, pois chegou até aqui, mas saiba de uma coisa ainda não acabou não. Quer saber o final? Ou já está bom? Se achar bom, pode parar por aqui, mas eu continuarei a escrever para o desfecho desse conto.
Assim que chegou o socorro, tiraram todos dos vagões e levaram-me para um hospital e constaram que o que tive, foi um infarto.
Meu supervisor não sabia como eu conseguira fazer o trem parar, e, eu não sabia como dizer a ele que não fora eu e, sim, a jovem fantasma, que evitara aquele possível acidente. Fiquei pensando no que meus colegas diziam que o fantasma causava acidentes e, no meu caso, evitou um.
Resolvi fazer uma busca para saber quem era aquela jovem e o que realmente ocorreu no dia do acidente. Fui a vários lugares, biblioteca, jornais e não conseguia nada além do registro. Foi quando tive a ideia de pegar o nome dela e comecei a procurar, até que descobri que ela era uma jovem freira, que após fazer serviços sociais, naquela área onde morreu, estava voltando para o convento e, distraída atravessou os trilhos e um trem a atropelou.
Por coincidência o convento era naquela igreja que ela pedira para que rezasse a missa em sua intenção. Resolvi, então, pedir outra missa em sua intenção e agradecimento por ter me ajudado naquele momento terrível.
Quando participava da missa, sinto algo semelhante ao de outra vez. Um forte calafrio senti, e, ao meu lado, aquela linda jovem, sorrindo para mim. Voltei-me para ela e sem medo algum, agradeci a intercessão. Ela falou que estava muito grata por tê-la tirado daquele sofrimento, que precisava descansar; disse também que não causara os acidentes dos trens por vontade,

mas ela aparecia, tentando pedir ajuda, mas os maquinistas ficavam com medo e desmaiavam ao vê-la, sem dar tempo dela ajudá-los.
Perguntei o que houve com ela, se ela não viu o trem vindo em sua direção, quando foi atropelada. Ela, então, revelou-me que após ter feito trabalhos sociais na comunidade carente, ali próximo ao acidente, voltava para o convento, quando foi abordada por uns sujeitos que pediam dinheiro, ela falou que dinheiro não tinha, mas que poderia ajudá-los com mantimentos. No dia seguinte, eles, então, resolveram querer estuprá-la e começaram a rasgar suas roupas. Foi quando ela conseguiu fugir das mãos deles e correu, sendo atingida pelo trem que vinha noutra direção. Por isso, ela não sabia exatamente como morrera e precisava descobrir isso para poder descansar em paz.
E, continuou, dizendo que só descobriu isso, quando eu apareci e ofereci ajuda e, logo após, ofereci, também, a missa em sua intenção - foi quando ela descobriu como havia morrido e pôde descansar em paz.
Perguntei para ela se ela já havia ido descansar, porque voltara para me ajudar, no dia em que tive um infarto? Ela disse que tudo via ao lado do Pai, e pediu autorização para vir me ajudar. Falando isso pegou em minha mão, dizendo: “Você é um bom homem e merece viver para ajudar os outros, obrigada por tudo”. Dito isso, desapareceu como que por mágica.
Olhei em volta, e estava sendo observado por várias pessoas da igreja. Fiquei com um pouco de vergonha, por acharem que estava falando sozinho, mas contente por saber que “alguém” lá em cima me acha um bom homem.
AMÉM
Marcos Toledo
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