UMA LIÇÃO DE CARIDADE
Em noite de garoa fina, com temperatura próxima de zero, observei um
farrapo humano que caminhava pelas ruas de S.Paulo e pus-me a pensar.
Lembrei-me de minha casa confortável, da comida quente, do cobertor de
lã. Procurei, em vão, entender sobre o que teria feito eu para estar
numa situação tão confortável, sem as angústias daquela criatura, da
qual eu nem sabia o nome.
Continuei na minha indagação: Como posso
exercer a caridade junto a esse irmão, se nem consigo chamá-lo de irmão.
Nem tenho coragem de aproximar-me para conversar com ele e ainda
apresso-me em mudar de calçada e fechar o portão. Em função dos riscos,
sigo, afinal, o que me recomendam as autoridades nas grandes cidades.
Como na minha cabeça continuava a vontade de ajudá-lo, pensei no que
poderia fazer por ele. Talvez dar-lhe um dinheiro, um agasalho, uma
sobra de comida. Eram muitas as possibilidades que eu tinha para
colaborar com o meu semelhante. Estava em melhor situação do que ele
para a prática do amor, ao contrário dele, que nada podia me oferecer.
Será?
Recordei-me da Doutrina Espírita quando diz que a caridade é a
mais importante das virtudes e que todos podem praticá-la,
independente da situação em que se encontram. Se eu acredito nisso,
esse mendigo também pode me ajudar de alguma maneira. Mas de que modo?
Analisei e concluí que ele nada tem, mas não rouba. Pede ou espera que
alguém lhe ofereça. Ele não vive se lamentando, embora tenha uma vida
que só de pensar me causa pavor. Divide o pequeno pão, que mal dá para
si próprio, com outros companheiros de infortúnio. Não é como eu que
ainda não aprendi a repartir. Ele usa um pouco de bebida alcoólica para
suprir a falta de agasalho e não pelas imposições sociais que nivelam as
criaturas na mediocridade. Não é avarento pelos juros que transformam
os humanos em cifrões, fazendo-os valer pelo seu exterior. Ele, talvez,
tenha esposa, filhos, pais ou um parente qualquer, mas não blasfema
contra o abandono e a solidão.
O seu lar é o vão da marquise da
esquina, onde venta menos, enquanto eu, que tenho um teto, reclamo do
trabalho para mantê-lo. Há queixas de que há muita roupa para lavar e
passar, muita louça do almoço e do jantar. Reclama-se que os alimentos
são caros, o carrinho do supermercado é pesado, além de outras
blasfêmias miúdas. Não falamos dos problemas verdadeiros.
Perguntei-me: Quem é o mais infeliz e qual de nós está realmente
praticando a caridade? Eu, que só posso dar-lhe umas poucas coisas
materiais ou ele que, sem dizer palavra, me dá uma aula magna de
compreensão e resignação.
Como é bom, as vezes, descermos do salto
alto, encararmos a nossa vida frente a frente e concluirmos quão felizes
nós somos e, ainda, não o sabemos.
Naquela fria madrugada, pude
aprender com o sábio e silencioso discurso daquele irmão em provação,
uma lição viva para todos nós que sofremos aos primeiros sintomas de
desajustes, porque os transformamos em insuportáveis tragédias. Envio,
constantemente, minhas preces de gratidão pelo muito que aquele irmão da
rua me ensinou e por ajudar-me a valorizar minha saúde, meu lar, meu
alimento, todos eles se constituindo em riqueza que eu nunca percebi que
possuía.
Agradeço àquele indigente por me mostrar a verdadeira FELICIDADE.
Artigo de autoria de Octávio Caumo Serrano,
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