DECIDIDA
Sempre quis ter uma família unida. Desde criança, ficava brincando de ser mãe e mulher. Via meu pai com minha mãe e desejava ter um marido igual a ele. No colégio, ainda nova, conheci um homem que parecia ser de sonho; levou-me na conversa e acabei me entregando a ele, com dezesseis anos.
Não havia outro jeito a não ser casar-se comigo; se não o fizesse, meu pai o mataria.
Inicialmente, achei aquilo o máximo, pois eu o amava, mas após o casamento e o nascimento do meu primeiro filho, meu príncipe tornou-se um carrasco e espancava-me quando chegava bêbado das suas orgias. Eu, uma menina com um filho nos braços, não podia voltar para a casa dos meus pais.
Hoje sei que se tivesse feito isso, meus pais entenderiam, mas segui levando a vida e engolindo as mazelas.
Em consequência das bebedeiras, fui diversas vezes estuprada por meu marido, e desses estupros vieram meus outros dois filhos. Eu permanecia calada frente às violências dele e aguentava suas traições. Algumas mulheres ligavam para minha casa fazendo ameaças, outras caçoavam e eu, apenas, chorava... tinha três filhos e nenhuma profissão, pois ele não me deixava estudar e muito menos trabalhar, por isso precisava aturar tudo.
Com meus filhos crescidos, resolvi retomar os estudos, mesmo contra a vontade do meu marido. Meus filhos sempre me apoiaram, e assim lá fui eu a uma universidade; formei-me e comecei a trabalhar. A essa altura, meu marido ia envelhecendo e as farras tinham diminuído, mas as violências e grosserias contra mim nunca cessaram.
Meus filhos nunca souberam disso, pois jamais lhes contei o que o pai deles fazia
comigo.
Certa vez, meu pai, já no final de sua vida, olhou-me nos olhos e disse – minha filha, seus olhos transmitem tristeza; saiba que nossa casa será, sempre, sua casa... você é feliz? Minha vontade foi a de abrir meu coração para ele; dizer que não era feliz e que nunca fora; que sempre suportei tudo por causa da rígida educação recebida e do medo de voltar para casa deles com filhos nos braços e sem meios de sustentá-los. Mas não... menti para ele mais uma vez, dizendo que era sim, feliz. Na realidade, não deixava de ser, porque tinha meus filhos.
Com meu trabalho indo de vento em popa, minha cabeça funcionava diferente, e pensava cada vez mais em acabar com meu casamento, pois mesmo estando mais velha, não suportava ver aquele homem vir me procurar sempre que queria fazer sexo, além de nunca me apoiar nos estudos e no trabalho e ainda ter uma amante às escondidas. Estava sim, decidida a me separar, mas...
Conheci uma pessoa que me fazia rir, além de me ouvir e apoiar. Tinha sempre um ombro amigo para eu falar sobre minhas angústias, mas esta situação, agora, deixava-me entre a cruz e a espada: se resolvesse me separar, esse homem poderia pensar que era por sua causa que eu estava fazendo aquilo, e isso eu não queria; meus filhos também iam logo ligar minha separação a algum homem e ficariam contra mim.
Numa noite, após o trabalho, cheguei em casa e mais uma vez meu marido veio com ignorância e violência contra mim. Eu, porém, não era mais aquela menina bobinha e dependente; já me sustentava, conhecia meus direitos, conhecia a lei e coloquei-o contra a parede. Disse a ele que, se levantasse a mão contra mim, iria preso, pois havia lei contra a violência doméstica. Ela arregalou o olho e, mesmo cheio de bebida, foi dormir.
No dia seguinte, chamei meu filho mais velho e comuniquei que ia me separar do pai dele. O mundo dele caiu! Reuniu os outros irmãos e me fizeram milhões de perguntas sobre as causas da separação, pois eles nunca viram brigas, discussões e muito menos traições. Eles queriam saber se eu tinha alguém, se algum homem havia transformado minha cabeça. Então, fui obrigada a falar do santinho que era o pai deles e do quanto suportara durante aquele tempo todo. Eu, claro, não contei que havia um homem em minha vida; dessa vez menti para eles, porque o motivo da separação não era esse homem.
Embora ficassem a favor do pai, eles aceitaram a minha decisão. Aos poucos, estou conseguindo fazer com que vejam quem é o pai querido deles, o super- herói que bate em mulher, que vive com amantes e que sempre posa de bonzinho dentro de casa.
Decidida a mudar radicalmente minha vida, fui morar sozinha, agora sim, ao lado de um grande homem. Decidimos que vamos viver os nossos poucos momentos juntos, sem nos preocupar com mais nada, só em fazer um ao outro feliz.
Amém
Marcos Toledo