A MENINA DAS TRANÇAS
Quando tinha dez anos de idade, conheci meu primeiro e único
amor: uma menina que usava os cabelos trançados e estudava no
mesmo colégio que eu.
No momento em que a vi saindo de um carro enorme, com seus pais,
fiquei encantado com aquelas trancinhas!
Eu a via caminhar balançando a cabeça, fazendo com que suas
tranças flutuassem de um lado para o outro. Passei a observá-la de
longe, mas, aos poucos, consegui me aproximar e nos tornamos
amigos, amizade essa que se transformou numa paixão maravilhosa,
tanto para mim quanto para ela.
Um dia, enquanto esperávamos seus pais chegarem, ficamos
conversando e descobrimos que o que sentíamos um pelo outro era
amor, mesmo sendo crianças e de classes sociais diferentes. Num ato
involuntário, nossas mãos se encontraram e ficaram juntas por muito
tempo. Estávamos sentados de mãos dadas, sem olhar um para o
outro quando, de repente, ela perguntou para mim:
estamos namorando?
Respondi que sim, com a face rubra de vergonha, mas logo depois
seus pais chegaram e ela saiu correndo para encontrá-los.
Nos dias seguintes, ficamos mais tempo juntos, na hora do recreio e
nos intervalos das aulas e na última vez em que a vi, estávamos
sentados, como sempre, esperando seus pais que demoravam mais
do que o normal.
Eu estava adorando ficar ao seu lado e ela, de repente, beijou-me
no rosto e levantou-se, ficando de costas para mim, envergonhada.
Sentado estava, sentado fiquei, com mais vergonha ainda... não
sabíamos que seus pais estavam nos observando de longe, mas eles
se aproximaram, disseram palavras rudes para mim e saíram.
Após muito tempo sem vê-la, descobri que seus pais tinham
sabido da nossa amizade através dos professores da escola e por isso
nos vigiavam; quando a viram me beijar no rosto, tiraram-na do
colégio e colocaram-na num colégio de freiras.
Resolvi, então, estudar para ser padre, dedicar-me à vida religiosa,
porque não queria mais sofrer por amor. Minha família relutou muito
a essa decisão porque eu ainda era uma criança, mas estava
decidido.
Mesmo após anos dedicados à vida sacerdotal, ainda vinha à
minha mente a imagem daquelas tranças balançando no rosto
angelical. Rapidamente eu desviava o rumo dos pensamentos, mas
não conseguia evitar de ficar com os olhos marejados.
Como sempre acontecia na minha vida sacerdotal, fui transferido
para uma cidadezinha do interior, sendo recebido com festas e
homenagens.
Apesar de já estar acostumado com aquilo, senti-me imensamente
feliz por estar ali naquela cidade afastada de tudo, mas não sabia o
porquê da felicidade.
Já havia chegado à cidade há um mês, quando fui chamado a ir ao
convento da cidade vizinha, pois a madre superiora estava adoentada e queria se
confessar. Fui recebido por várias freiras amáveis que me
conduziram até os aposentos da madre superiora. O ambiente estava
na penumbra, aproximei-me do seu leito, e segurei a mão para
cumprimentá-la.
Ela, virando-se para mim com uma visível emoção nos olhos, disse
– não pode ser você...
Fixei meus olhos nos dela, baixei a cabeça e choramos juntos. Após
alguns minutos, refeitos do susto, perguntei – por que você sumiu?
A madre superiora disse que, após aquele dia, seus pais levaram-na
para um colégio de freiras e disseram que ela nunca mais veria
aquele menino.
Os anos foram passando e ela, vendo que não conseguiria mais
encontrar aquele amor puro, resolveu se dedicar à religião e mudou-
se para o interior. Àquela altura, já velha e doente, queria se
confessar e dizer que mesmo tendo se casado com Cristo e tendo-o como seu amor, nunca havia se esquecido do seu verdadeiro amor,
o menino da escola.
Segurei as lágrimas, me fazendo de forte, coloquei a estola sobre suas mãos
e falei que poderia ouvir sua confissão. Após ouvi-la, beijei-lhe a
testa e saí
dali arrasado, voltando para a minha igreja.
Meses depois, estava eu realizando mais uma missa, quando vi ao
fundo da igreja uma figura conhecida. Forcei-me a dar continuidade
à missa, mas meu coração batia descompassado.
Hoje, encontro-me aqui, sentado ao lado da pessoa que jamais
deveria ter saído da minha vida. Sim, ela mesma, a menina das
tranças, minha mulher. Largamos tudo para viver o nosso amor interrompido.
AMÉMMarcos Toledo
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