CASA GRANDE, GRANDE FAMÍLIA
Caramba! Como minha infância foi louca... louca no sentido de divertida.
Minha casa era muito cheia; na minha lembrança, a cada dois meses chegava mais gente ali, sempre gente miúda, para brincarmos mais e mais.
Morávamos numa fazendinha no interior, numa casa enorme, e meu pai ia aumentando os cômodos para os lados sempre que apareciam novas crianças.
Éramos criadores de gado leiteiro, tínhamos hortas que abasteciam o comércio da cidade e também vendíamos muita mercadoria para a capital.
Minha mãe era uma pessoinha de um metro e cinquenta, com uma delicadeza no falar e agir que dava gosto de ver.
Tínhamos três empregadas que moravam nos fundos; elas eram lindas e seus filhos eram nossos amigos. Estranho era que seus filhos haviam nascido na
fazenda, mas jamais conhecemos seus maridos ou namorados. Meu pai sempre os aceitava como filhos e ainda fazia um discurso para que todas soubessem que não deveriam fazer mais aquilo, para que depois não nascesse mais uma criança sem pai para ele sustentar.
Eu sei que, quando fiz quinze anos, já tínhamos cinco irmãos filhos de minha mãe, cinco filhos de Berta, cinco filhos de Joana e cinco filhos de Juliana. Sendo assim, éramos vinte crianças zanzando dentro de casa e vinte crianças correndo para se arrumar para o colégio; um capataz levava-nos de caminhão e nos trazia após as aulas.
Naquela época, eu já estava ficando mocinha, com mais entendimento, e achava que os filhos das empregadas eram desse capataz ou de outros empregados da fazenda, mas isso pouco importava para nós que nos considerávamos irmãos. Meu pai fazia questão de dar tudo o que nos dava, para eles também: presentes, roupas e alimentos; não havia discriminação.
Assim que completei vinte e cinco anos, meu pai teve um enfarte e faleceu.
Durante o velório que foi em nossa casa mesmo, eram quatro mulheres em volta do caixão. O padre chegou somente cinco minutos antes de o levarmos para o cemitério e pouco falou durante as orações. Conversou rapidamente com minha mãe e foi embora sem dizer nada.
Uma semana após o enterro, minha mãe reuniu todos, todos mesmo, sem esquecer ninguém... éramos tantos que quase não cabíamos na sala. Minha mãe, então, pediu silêncio e falou do quanto meu pai fora um bom homem e que queria revelar que os filhos de Berta, Joana e Juliana eram filhos verdadeiros dele.
As mulheres olharam para minha mãe com vergonha, pois achavam que ela não soubesse, mas não falaram coisa alguma. Os filhos, sim, começaram a falar todos ao mesmo tempo e, ao final, minha mãe disse que, por amá-lo muito, jamais quis interferir no jeito mulherengo dele e que não o queria na rua.
Decidiram que ele traria suas amantes para dentro de casa, com seus respectivos filhos, e formariam a grande família que estava ali, agora, reunida.
Sem sabe o que falar, olhávamos uns para os outros com misto de alegria e espanto por saber que éramos irmãos verdadeiros, já que nos gostávamos antes, como se fôssemos mesmo.
Amém
Marcos Toledo