Chegando à varanda do asilo onde trabalho, vi que uma vovó muito lindinha estava sentada numa cadeira de balanço, já bem cedinho.
- Que dia lindo hoje! Não acha?
- Lindo mesmo, madame! O que a senhora está fazendo aqui fora?
- Você não sabe? Hoje é dia de visitas e meu filho vem aqui com meus netos.
- Mas, senhora, seu filho nunca veio aqui, desde que a trouxe para cá...
- Eu sei, mas hoje ele vem, porque falei a ele que hoje é o dia do meu aniversário e pedi que viesse.
- E ele falou que viria, madame?
- Sim, ele falou que viria; prometeu.
- Você não quer me ajudar a preparar um bolo surpresa para quando ele chegar?
- Claro, madame! Melhor ainda: fique aí, aproveitando este tempo bom, enquanto eu o preparo para a senhora.
- Obrigada, você é um anjo.
- Até mais tarde, então, madame.
- Até mais tarde, minha linda.
Entrei para trocar minha roupa e substituir uma amiga que trabalhara no horário noturno e perguntei:
- Hoje é dia do aniversário daquela vovó que está sentada ali, na varanda?
- Não, menina! Ela, essa noite, deu um trabalho terrível! Não dormiu nem um pouquinho... pensei até, em pedir ao médico residente um calmante para ela; senti que ela estava muito agitada.
- Agitada como? Passando mal?
- Não. Ficou andando pelo quarto de um lado para o outro, dizendo que havia conversado com o filho e que ele viria hoje aqui, para seu aniversário.
- Ah! Então foi por isso que ela me disse que o filho viria. Vou ver as outras vovós e depois, vou entrar no clima dela - vou pedir ao rapaz do escritório para comprar um bolo e vamos fingir que é realmente o seu aniversario.
- Amiga, você é demais! Não sei como consegue ter tanta disposição e imaginação para levar à frente tudo o que essas velhinhas falam para você.
- É amor, minha amiga; amor a elas e ao que faço por elas.
- Está bem. Vou embora agora; depois me conte como foi tudo por aqui.
- Bom descanso e até amanhã.
Após fazer a minha ronda matinal às minhas vovós, pedi ao funcionário para ir comprar uma torta e um litro de refrigerante para comemorar o aniversário da minha vovó preferida.
Voltei para a varanda e encontrei a vovó sentadinha, cantarolando uma canção que nunca tinha escutado. Perguntei que canção era aquela; se aprendera com alguém. Ela disse para mim que era uma canção que seu filho gostava e que a fazia cantar toda noite, para que ele dormisse.
Interessei-me pela história, pois mesmo sendo ela uma pessoa muito doce e meiga, nunca comentara coisa alguma sobre sua vida fora do asilo.
Aos poucos, fui perguntando e ela respondendo. Tudo parecia uma maravilha! Ela me disse que trabalhou muito com seu marido e que, após a morte dele, cuidou sozinha do filho adolescente. Por diversas vezes, teve de brigar, na rua onde morava, e até mudar-se com frequência, por causa das más companhias para o filho. Já fora jurada de morte por bandidos, mas nunca deixou que seu filho andasse em más companhias.
Então, fiz uma pergunta que sempre tive vontade de fazer, mas me calava com medo de agitar as vovós:
- Por que seu filho a colocara ali? Não que ali fosse um lugar ruim, mas por que não morar com ele?
Ela, calmamente, disse:
- Logo que meu filho se casou, ficou muito agitado e estranho. Eu ainda fiquei morando sozinha por um bom tempo, mas meu filho pouco ia visitar-me. Ah, menina, a mulher dele era muito ciumenta. Não comigo, mas achava que ele dizia que viria me visitar como desculpa para sair com outras mulheres.
- Por que então ela não vinha com ele?
- Ah! Ela não gostava muito de mim, só porque eu fazia todas as vontades dele.
- Mas madame, não é normal uma mãe gostar do filho e fazer tudo para agradá-lo?
- Para mim sempre foi normal, mas para ela não. Ela achava que eu o mimava muito.
- E por que ele deixou de vir aqui?
- Hum... isso é uma longa história, mas vou simplificar para você entender. Meu filho sempre foi como um ímã, atraía pessoas ruins para junto dele, e eu sempre tentei afastá-lo dessas pessoas. Um dia, ele apareceu com essa mulher dizendo estar noivo dela. Olhei para ela e percebi que também não era boa companhia. Alertei-o, mas ele não deu atenção e ainda contou para ela as minhas suspeitas.
Na primeira oportunidade que ela teve, foi à minha casa e falou um monte de besteiras para mim. Fiquei calada, ouvindo tudo sem dizer uma palavra, pois eu sei que sempre que descobrimos algo de errado em alguém, esse alguém fica muito bravo. É como diz o ditado “galinha que canta é a que coloca o ovo”. A partir daí, ela evitava ir à minha casa. Depois do casamento, pararam de ir de vez.
Percebi que meu filho mudava cada dia mais. As poucas vezes em que o via, percebia que ele estava muito nervoso, com medo de tudo e de todos. Quando meu neto nasceu, fui visitá-lo no hospital e meu filho só apareceu bem tarde da noite. Então, percebi que havia algo de errado com ele e fiquei doente. Mas ele não podia ficar comigo e me colocou aqui.
- Vai ver que ele andava com muito trabalho, madame, e por isso ficava nervoso. A senhora sabe como são essas pessoas que trabalham muito - só pensam em negócios.
- Não, minha filha, ele estava metido com más companhias; ele e a mulher.
Interrompi nossa conversa, pois o menino acabara de chegar com o bolo que havia encomendado. Pedi licença à vovó e fui preparar tudo para cantarmos parabéns, mas ao entrar acabei sendo chamada para atender algumas velhinhas. Quando voltei para chamá-la, ela estava chorando silenciosamente. Perguntei o porquê do seu choro e ela disse - é que meu filho não vem mais.
- Como é que a senhora sabe?
- Eu sei, meu coração falou para mim.
Não quis perguntar mais nada a ela. Falei que o bolo estava pronto para cantarmos parabéns. Ela disse:
- Vá indo meu bem, depois eu vou.
Voltei para dentro e ficamos esperando que ela chegasse. Como ela estava demorando muito, resolvi voltar à varanda para chamá-la. Ao chegar perto dela, percebi que estava dormindo. Toquei-a para chamá-la e seu pescoço tombou para o lado. Vi que algo de errado estava acontecendo e chamei os médicos, mas não foi possível fazer nada por ela - havia falecido.
Chorei por um longo tempo. Não sei por que, mas tinha me apegado tanto àquela vovozinha! Já havia acontecido de nós, no asilo, perdermos algumas vovós, mas aquela tinha me passado um fluido tão bom...
O asilo preparou tudo para o seu funeral, pois não conseguimos entrar em contato com seu filho e com nenhum outro parente dela. No dia seguinte, pedi a uma amiga para ficar no meu lugar por algum tempo, pois queria ir ao enterro da vovozinha. No enterro, só havia três funcionários do asilo... muito triste mesmo.
Voltei ao asilo e agradeci à minha amiga por ter ficado no meu lugar. No final do expediente, após ter guardado os pertences da vovó e limpado todo o seu quartinho, fui para casa.
Estava realmente abatida e comentei com meu marido o episódio. Ele disse que já era para eu ter me acostumado com aquilo e continuou vendo o seu jornal. Fui tomar um bom banho para relaxar. Um pouco após o banho, voltei à sala, já com outro astral e brinquei com meu marido perguntando o que ele havia feito para o jantar. E não é que o danado já havia preparado mesmo, algumas coisas para comermos?
Sentamos para comer, mas ele não tirava os olhos da televisão. Perguntei o que estava passando de tão interessante na televisão que ele não tirava os olhos dela. Ele disse que a polícia descobrira, em uma casa no subúrbio, uma família inteira morta a tiros, há mais de três dias; a polícia achava que tinha sido vingança de traficantes de drogas.
Mal ele acabara de falar, entrou uma edição extraordinária do jornal informando os nomes dos mortos, e o sobrenome da família morta era igual ao da vovozinha.
Perdi a fome, na hora, e fiquei pensando: a vovozinha tinha razão... ele não poderia ir visitá-la mesmo... mas como ela soube?
AMÉM
Marcos Toledo
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